terça-feira, 20 de abril de 2010

Romance do Vaqueiro Voador no Canal Brasil nesta terça-feira, 20 de abril de 2010


Romance do Vaqueiro Voador no Canal Brasil nesta terça-feira, 20 de abril de 2010

 

22:00

Romance do Vaqueiro Voador  Ano: 2008 |  País: Brasil

Diretor:  Manfredo Caldas
Elenco:  Luis Carlos Vasconcelos

Inspirado no poema de João Bosco Bezerra Bonfim, a produção recria, utilizando elementos ficcionais, o universo mítico do nordestino, partindo do questionamento sobre quem seria o homem morto ao despencar de um andaime numa Brasília ainda em construção.

 

 

O vôo do Ícaro do sertão

Vladimir Carvalho

reflete sobre forma e

conteúdo de O romance

do vaqueiro voador,

em cartaz na cidade

VLADIMIR CARVALHO

ESPECIAL PARA O CORREIO

Apropósito de O Romance do Vaqueiro

Voador, filme que acaba de estrear no

circuito comercial em Brasília, ocorreume,

logo que o assisti ano passado, o

que à primeira vista pode parecer rematada extravagância:

fosse nosso contemporâneo o pintor

flamengo Pieter Brueghel, o Velho, o tema da

construção de Brasília não escaparia à sua palheta

tão chegada aos escancarados espaços e

às gentes que nele circulam. Aqui ele poderia

trocar de inspiração e em vez de se inspirar em

Hyeronimus Bosch procuraria um outro quase

homônimo, o João Bosco, autor do cordel que

deu margem ao filme de Manfredo Caldas.

Logo em sua abertura magnificente, com os

créditos de apresentação de Fernando Pimenta,

senti-me planar junto com a câmera, flutuando

com ela sobre a Esplanada dos Ministérios

e o cenário em sua volta. E, tomado pela

vertigem do movimento e da música impactante

de Marcus Vinícius, experimentei a sensação

de reencontrar a obra do mestre renascentista

que quase sempre abarcava com a vista

do alto os seus temas como se os sobrevoasse

até os difusos horizontes. Mas, olhados mais

de perto no foco desses plongês, se viam as cenas

que flagrava, cheias de movimento e intenções,

de figuras prestes a se mexerem para o

deleite de uma invisível câmera de filmar. Assim

são as suas telas célebres como o Porto de

Nápoles, A Colheita do feno,A Torre de Babel,A

Luta de carnaval e Quaresma ou a apavorante

O Triunfo da Morte, aterradora "panorâ

á havia esquecido o pintor com relação ao

Vaqueiro voador, quando revendo o filme e relendo

o longo e tocante poema de João Bosco

Bonfim, tornou-me a baixar o fantasma de

Brueghel e dessa feita mais explicitamente. É

que casualmente decifrei nos versos do cordel

o nome Oraci, um dos apelidos do Vaqueiro,

que lido ao contrário é Ícaro, justo o tema do

holandês na fabulosa Paisagem com a queda

de Ícaro, quadro que tem a mesma e característica

visão do alto a contemplar a condição e a

faina humanas, alimentadas de sonho e utopia.

E aí associei essas ilações à estratégia poética

adotada por Manfredo Caldas e seu co-roteirista

Sérgio Moriconi para traduzir no cinema

a narrativa literária. Ele sobrevoa com sua câmera

em plongê os amplos espaços da grande

urbe já construída e movimentada, prenunciando

o assunto que persegue, até descer

vertiginosamente em mergulho e aterrissar

nas tensões da tragédia que vai contar.

Nesse lance, primeiro procede sorrateiro como

se cercasse a caça à maneira do gavião

que a espreita do alto antes do bote final. Essa

é a primeira manifestação de uma "forma" de

que Manfredo se acerca e termina por se

apossar por inteiro no transcurso do filme,

como se aos poucos fabricasse a carnadura

que vai encobrir e visibilizar o esqueleto de

um duro e implacável conteúdo.

Nunca antes Manfredo foi tão obsessivo no

encalço de sua expressão. Diferente do seu

primeiro filme de longa duração, Uma questão

de terra, Vaqueiro voador está longe de ser um

registro puramente documental, radicalmente

fiel à tradição do gênero que procurava no real

a sua razão de ser e quando, mais do que tudo,

era ao chamado conteúdo que se dava mais

atenção. No caso em tela, não. É a busca obstinada

de um modo particular de "dizer", de expressar-

se na língua do cinema que importa. E

aqui ele claramente faz a corte à forma como

se ela existisse por si só, e em si, separada do

seu conteúdo, como se dirigindo a uma musa

difícil de conquistar. Nesse sentido, Vaqueiro

Voador é um salto na carreira de Manfredo,

quase uma ruptura drástica.

Vale a pena sublinhar também o feliz domínio

do tempo da narrativa fazendo-a inflectir

no momento exato em que ficção e documentário

definitivamente se acoplam, ensejando a

esperada modulação. Essa curva de ascensão

leva o filme até a sua culminância catártica,

quando o drama do indivíduo e a tragédia dos

trabalhadores se tornam praticamente simbióticas.

Na barbearia, diante de meridiana verdade

pode-se dizer sem medo de estar sendo tosco,

que o filme faz barba, cabelo e bigode. O serviço

é completo. Sob os cuidados do fígaro suburbano,

os depoimentos sobre a chacina, muito bem

 

duram pouco mais de 10 minutos, levando o filme

ao pico máximo, alçando vôo derradeiro e

arremetendo com toda força para o desenlace,

após o que alcança a conseqüente ressaca como

que acordando das profundezas do transe. Nunca

antes de Raimundo (ou Oraci?) precipitar-se

como um ícaro sertanejo no vazio de discutível

suicídio. Nessa altura o rotativo vem subindo e a

música faz a "festa" até o final, narradora e participativa

como foi desde o início.

VLADIMIR CARVALHO É DOCUMENTARISTA

 

Crônica da Cidade

CONCEIÇÃO FREITAS // conceicao.freitas@correioweb.com.br (cartas: SIG, Quadra 2, Lote 340 / CEP 70.610-901)

 

O VAQUEIRO

VOADOR

SUMIU

Uma semana, uma única semana,

foi o tempo em que O romance do vaqueiro

voador ficou em cartaz. Até as

poltronas acolchoadas do cinema devem

ter se sentido incomodadas com

o documentário de Manfredo Caldas,

baseado no texto de João Bosco Bezerra

Bonfim. Afinal, o filme pega a

contramão da história oficial da construção

de Brasília e, miticamente,

fala do destino ingrato que chamou

para o Planalto Central uma imensidão

de migrantes nordestinos, sugou-

lhes a força de trabalho e os deixou

voar de um andaime de um prédio

em construção.

Não tive tempo de ver o filme, até

podia ter tido, soubesse que ficaria

em cartaz somente uma e protocolar

semana. Mas li o texto de João Bosco,

a sinopse do filme e a crítica de Luiz

Carlos Merten, no seu blog no portal

www.estadao.com.br. Diz Merten

que assistiu ao filme sozinho numa

sala de São Paulo: "O romance do vaqueiro

voador é um filme de difícil

classificação. Não é um documentário

tradicional nem uma ficção (…)

Mas o fato de ser difícil de enquadrar

torna mais bela a história que também

não se encaixa na historiografia

oficial, e tanto que foi apagada". O

crítico diz que O romance... é um "ensaio

poético, um poema filmado,

uma colagem de imagens distintas".

O poema que inspirou o filme foi

publicado em 2004, numa edição

também feita de colagens. Num tamanho

extragrande (quase o dobro

de um Aurélio), mas com apenas 44

páginas, o livro junta gravuras de

Abrão Batista com imagens de Vladimir

Carvalho (do filme Brasília segundo

Feldman) e fotografias do Arquivo

Público.

Diz o poema de João Bosco que

em noite de lua quem se aproximar

da Esplanada dos Ministérios há de

ouvir uma voz que ecoa entre os

blocos. "Que segredo esconde/Essa

aparição medonha/Será milagre de

Deus?/Será alguma peçonha?,/Se

quer saber então ouça/Nâo faça cerimônia".

Quem prefere guardar no peito e

na memória a idéia de que a construção

de Brasília foi uma epopéia imaculada

e de heróis invencíveis, sugiro

que pare por aqui. O poema vai dizer

que não foi bem assim.

O que aconteceu com o vaqueiro

voador foi o seguinte, nos dirá o poeta:

"Era janeiro primeiro/Nos idos

anos cinqüenta/Quando voou um

vaqueiro/De altura sem tamanho/

Espatifou-se no chão/Teve da

vida o desengano".

Quem teria sido o infeliz voador?

"Sobrenome ele não tinha/Era Oraci

Vaqueiro/Ou fosse Raimundo Nonato,/

Quem sabe Tonho ou Joaquim?/

Nome é o que menos conta/

Para quem morre assim."

Vaqueiro Voador nem enterro teve,

foi jogado nos alicerces de algum

dos ministérios. Desde então, toda

lua traz a cantiga lamentosa do peão.

E "o que no princípio era medo,/Tornou-

se consolação,/Todos esperavam

a lua/Para ouvir aquela canção/

Que era triste e lamentosa/Mas

falava ao coração".

 


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