Jornada Cultural
Vou cruzar o Brasil de ponta a ponta Desvendando os mistérios culturais Dentre as roças sertões e matagais Vendo a arte que vívida desponta Pensamento firmado e mala pronta Vou tirar meu sapato e pôr chinela E na longa jornada ver quão bela É a história de cada lugarejo Descobrindo o talento sertanejo Onde a luz da cultura se revela
Vou pintar na memória uma aquarela Com as cores de cada tradição Traduzir o Brasil com perfeição Nos detalhes de cada cidadela Vou a pé, de canoa e barco a vela, Percorrer cada metro brasileiro Ver um vate, caboclo, cancioneiro, Transformar uma opaca pedra bruta Em diamantes de verso em voz matuta Como fosse o mais hábil joalheiro
Quero ouvir os segredos do terreiro Na seara de Obaluaiê Entregar-me prum coco de Zambê Numa noite estrelada de janeiro Com licença de algum catimbozeiro Ver o culto citado em "Iracema" E no aroma de arruda e alfazema Preparar-me pra entrar na sintonia E entender neste rito a encantaria Dos augustos mistérios da Jurema
Na procura do Santo diadema Grande lume sublime Popular Quero ouvir o mais rústico entoar Do lirismo caboclo em um poema Ver o bom cantador que, sem problema, Improvisa em Martelo Alagoano Que é complexo, mas ele, sem engano, Cria versos com toda precisão Metrifica lirismo e coesão Humilhando qualquer parnasiano
Vou aos poucos deixar de ser profano Conhecendo o Sertão dos menestréis Que sem pompas, canudos nem lauréis Dão exemplos de honra ao ser humano O roceiro é artista soberano Não existe doutor que faça igual Um poeta, matuto, genial, Como foi nosso grande Patativa Uma estrela de luz forte e altiva Clareando o universo cultural
Quero ver no estilo Armorial Uma orquestra na beira de uma praia Com rabeca, com pife, com alfaia Urucungo, maraca e berimbau. Quero ver nos festejos de Natal Um cortejo de vozes tão sofridas Entoando canções agradecidas Demonstrando firmeza e confiança Despertando na gente a esperança De encontrar alegria em nossas vidas
Quero ver boi de reis nas avenidas Relembrando o nascido Deus menino E a brancura da pomba do divino Contrastando com fitas coloridas Quero ouvir o compasso das batidas Sincopadas dum coco e dum baião E no ardor causticante do verão Sob a luz das estrelas caminhando Ver um Boi magistral ressuscitando No reisado de cada coração
Quero ver a folia do azulão, Do nhambu, do xexéu, numa toada Floreando o prelúdio d'alvorada Quando o Sol vem rompendo a escuridão Sob a luz matutina do Sertão Ver a mata florindo bela e pura Que, com toda abundancia, configura Um cenário pra grande sinfonia Dos canários cantando de alegria Em louvor aos caprichos da Natura
Quero ver a mais mítica figura Das histórias do velho pai Vicente O saci viciado em aguardente E a mula assombrando a noite escura Boitatá a terrível criatura Curupira cuidando o florestal E um índio de encanto sem igual Que tocava uma flauta de bambu Num mistério virar uirapuru Passarinho de canto divinal
Nesta grande jornada cultural Vou findar esta sede que maltrata Na mais limpa nascente que hidrata A raiz do folclore nacional Vou lavar o nojento lamaçal Tão bizarro da "arte" de hoje em dia Que desponta na rádio ou livraria No pagode, no funk ou no congresso De doutores que estudam prosa e verso, Com a mesma pseudo-poesia
Vou pedir toda força e valentia Necessárias na intrépida batalha Pra transpor com bravura a vil muralha Do modismo e da vã idolatria Vou mostrar o valor da poesia Que a própria natura nos retrata Que não veio de um meio aristocrata Nem de um grupo, de doutos, influente Mas brotou e cresceu como a semente De um ipê que ornamenta a verde mata
Já me usei de linguagem abstrata Inspirado no estilo modernista Mas é quando eu escuto um Repentista Que a minha poética desata Repentista parece uma cascata Conduzindo lirismo em correnteza No seu metro descreve com riqueza O mais belo cantar dos rouxinóis Construindo sublimes arrebóis Em seu canto louvando a natureza
Quero ver estes Mestres da destreza Portadores da herança milenar Cujo tempo cuidou de preservar Desde as eras feudais da realeza Que através das esquadras, portuguesa, Holandesa, francesa e espanhola Conduziram no mar a grande escola Pra formar novos bardos com virtude E trocar o nostálgico alaúde Pelos fortes ponteios da viola
Como gira no espaço a grande bola Nos etéreos confins da imensidão Vou rodar o país nesta função Pra matar a vontade que me assola Ver os grandes concursos de viola Transbordando em talento e maestria E no afã da instigante cantoria Contemplando o maior dos espetáculos Alcançar a planície nos pináculos Consagrados da Santa Poesia
Suriel
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