quarta-feira, 5 de maio de 2010

Poema de Suriel Moisés, inspirado em suas pesquisas

Jornada Cultural

 

Vou cruzar o Brasil de ponta a ponta

Desvendando os mistérios culturais

Dentre as roças sertões e matagais

Vendo a arte que vívida desponta

Pensamento firmado e mala pronta

Vou tirar meu sapato e pôr chinela

E na longa jornada ver quão bela

É a história de cada lugarejo

Descobrindo o talento sertanejo

Onde a luz da cultura se revela

 

Vou pintar na memória uma aquarela

Com as cores de cada tradição

Traduzir o Brasil com perfeição

Nos detalhes de cada cidadela

Vou a pé, de canoa e barco a vela,

Percorrer cada metro brasileiro

Ver um vate, caboclo, cancioneiro,

Transformar uma opaca pedra bruta

Em diamantes de verso em voz matuta

Como fosse o mais hábil joalheiro

 

Quero ouvir os segredos do terreiro

Na seara de Obaluaiê

Entregar-me prum coco de Zambê

Numa noite estrelada de janeiro

Com licença de algum catimbozeiro

Ver o culto citado em "Iracema"

E no aroma de arruda e alfazema

Preparar-me pra entrar na sintonia

E entender neste rito a encantaria

Dos augustos mistérios da Jurema

 

Na procura do Santo diadema

Grande lume sublime Popular

Quero ouvir o mais rústico entoar

Do lirismo caboclo em um poema

Ver o bom cantador que, sem problema,

Improvisa em Martelo Alagoano

Que é complexo, mas ele, sem engano,

Cria versos com toda precisão

Metrifica lirismo e coesão

Humilhando qualquer parnasiano

 

Vou aos poucos deixar de ser profano

Conhecendo o Sertão dos menestréis

Que sem pompas, canudos nem lauréis

Dão exemplos de honra ao ser humano

O roceiro é artista soberano

Não existe doutor que faça igual

Um poeta, matuto, genial,

Como foi nosso grande Patativa

Uma estrela de luz forte e altiva

Clareando o universo cultural

 

Quero ver no estilo Armorial

Uma orquestra na beira de uma praia

Com rabeca, com pife, com alfaia

Urucungo, maraca e berimbau.

Quero ver nos festejos de Natal

Um cortejo de vozes tão sofridas

Entoando canções agradecidas

Demonstrando firmeza e confiança

Despertando na gente a esperança

De encontrar alegria em nossas vidas

 

Quero ver boi de reis nas avenidas

Relembrando o nascido Deus menino

E a brancura da pomba do divino

Contrastando com fitas coloridas

Quero ouvir o compasso das batidas

Sincopadas dum coco e dum baião

E no ardor causticante do verão

Sob a luz das estrelas caminhando

Ver um Boi magistral ressuscitando

No reisado de cada coração

 

Quero ver a folia do azulão,

Do nhambu, do xexéu, numa toada

Floreando o prelúdio d'alvorada

Quando o Sol vem rompendo a escuridão

Sob a luz matutina do Sertão

Ver a mata florindo bela e pura

Que, com toda abundancia, configura

Um cenário pra grande sinfonia

Dos canários cantando de alegria

Em louvor aos caprichos da Natura

 

Quero ver a mais mítica figura

Das histórias do velho pai Vicente

O saci viciado em aguardente

E a mula assombrando a noite escura

Boitatá a terrível criatura

Curupira cuidando o florestal

E um índio de encanto sem igual

Que tocava uma flauta de bambu

Num mistério virar uirapuru

Passarinho de canto divinal

 

Nesta grande jornada cultural

Vou findar esta sede que maltrata

Na mais limpa nascente que hidrata

A raiz do folclore nacional

Vou lavar o nojento lamaçal

Tão bizarro da "arte" de hoje em dia

Que desponta na rádio ou livraria

No pagode, no funk ou no congresso

De doutores que estudam prosa e verso,

Com a mesma pseudo-poesia

 

Vou pedir toda força e valentia

Necessárias na intrépida batalha

Pra transpor com bravura a vil muralha

Do modismo e da vã idolatria

Vou mostrar o valor da poesia

Que a própria natura nos retrata

Que não veio de um meio aristocrata

Nem de um grupo, de doutos, influente

Mas brotou e cresceu como a semente

De um ipê que ornamenta a verde mata

 

Já me usei de linguagem abstrata

Inspirado no estilo modernista

Mas é quando eu escuto um Repentista

Que a minha poética desata

Repentista parece uma cascata

Conduzindo lirismo em correnteza

No seu metro descreve com riqueza

O mais belo cantar dos rouxinóis

Construindo sublimes arrebóis

Em seu canto louvando a natureza

 

Quero ver estes Mestres da destreza

Portadores da herança milenar

Cujo tempo cuidou de preservar

Desde as eras feudais da realeza

Que através das esquadras, portuguesa,

Holandesa, francesa e espanhola

Conduziram no mar a grande escola

Pra formar novos bardos com virtude

E trocar o nostálgico alaúde

Pelos fortes ponteios da viola

 

Como gira no espaço a grande bola

Nos etéreos confins da imensidão

Vou rodar o país nesta função

Pra matar a vontade que me assola

Ver os grandes concursos de viola

Transbordando em talento e maestria

E no afã da instigante cantoria

Contemplando o maior dos espetáculos

Alcançar a planície nos pináculos

Consagrados da Santa Poesia

 

Suriel

 


 

Atividade nos últimos dias:
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J3

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